Uma palavra feia, um grande monstro, daqueles bem grandes piores que o bicho papão, ou todos os que nos assustam na infância, adolescência ou idade adulta.
Nasci e cresci numa família onde as mulheres tinham medo que os homens olhassem para elas de viés senão pumba...estavam grávidas. Como dizia a minha vó (bisavó), bastava um sacudir as calças que tinha de ir procurar a parteira para um desmancho. Menos a minha mãe, que também teve problemas para engravidar de mim.
Cresci a querer ser mãe. A sonhar com o dia que teria os meus bebés. A cuidar deles, a dar-lhes banho, papinha, brincar com eles. Já tinha os nomes escolhidos, os meses de nascimento, a diferença de idades, a minha idade quando teria o primeiro e o segundo. E de repente....bem de repente não me puxaram o tapete, tiraram-me o chão, o céu, o mundo e o universo de uma vez.
Chorei tanto, mas tanto que nem sabem (quer dizer, sabem, pois quem passa por isto sabe).
Berrei, gritei, chateei-me com Deus, com o mundo, com todas as mulheres grávidas, em particular com aquelas que
ora bolas, estou grávida outra vez, que grande chatice. Fiz as pazes com Deus, rezei muito, não fiz promessas mas prometi o meu coração. Comecei a suportar grávidas e a ser genuinamente feliz por elas, afinal não eram elas que me impediam de engravidar.
Odiei sempre o
não penses que acontece, o
vai de férias que vens de lá grávida. Apetecia-me perguntar a esssas mentes iluminadas se era uma mezinha que resultava com tudo ou com o facto de ser infértil.
Tive de programar o romance, o sexo, as posições, as almofadas debaixo do rabo. Fazer o que mandava a ciência e as mezinhas dos avós.
No dia em que soube estar grávida pela 1ª vez fiquei tão feliz, mas tão feliz que passava a vida a acariciar a barriga. Fui ao médico e.....cai no chão. Saco sim, o bebé não se desenvolveu. Internamento, curetagem. És forte e tal, aguentas firme. Tantas mulheres o fizeram e fazem, olha a prima da amiga da vizinha do outro...., e eu apetecia-me mandar essas pessoas para um certo sítio e não podia. Não pude fazer luto porque tinha de ser forte e tal, mas quando a força me faltou estatelei-me ao comprido e chorei tanto mas tanto que pensava não ter mais o que chorar. Valeu-me já ter o meu filho nessa altura.
A 2ª vez que engravidei, o medo, o pavor de acontecer o mesmo. Os valores da BHCG sempre foram tão fraquinhos. A placenta deslocada, a amniocentese, as contracções e o repouso às 20 semanas. Ele nasceu e eu venci, deu um pontapé na bunda da infertilidade.
Mas ela é grande e ora toma, queres outro vais ter de fazer tratamentos, sem anticoncepcionais nem nada. A contar dias, a medir temperaturas, a não pensar nisso. E engravidei pela 3ª vez, e tive medo (os valores da BHCG baixíssimos), tanto medo que nem revelava o nome dela, mas graças a Deus correu tudo bem e voltei a dar outro pontapé na bunda, daqueles que mandam a infertilidade para onde Judas perdeu as botas.
Então e depois? Depois a
gaija aprendeu o caminho de volta, desapareceu-me com o DIU e mostrou-me que
brincas brincas mas não engravidas.
Se dói? Dói, vai doer sempre. Já tenho 2 mas dói sempre. Não da mesma forma, não no mesmo sentido, é mais aquela sensação de saber que não conseguirei jamais engravidar sozinha.
Se tomo a pílula? Sim, controla-me as hormonas e outras coisas mais, o facto de ser um anticoncepcional é secundário. Não posso, aliás podemos, ter outro filho. Não é a idade, sendo um factor importante, são as condições de vida. Claro que a criança não iria passar fome, mas tenho consciência que não dá. Dá mas não dá, percebem o que quero dizer?
Ter uma criança não só são as fraldas, as papas e os leitinhos. É a educação, a escola, o vestir/calçar, o querer dar o melhor para os preparar para um futuro incerto.
Se queria ter o 3º? Sim, queria. Quero. Mas não dá. Como já disse, faz-me falta o Gabriel e/ou a Sofia. Talvez por causa do que aconteceu na primeira vez. Mas não vou fazer por isso, vou viver a vida fazendo pelo contrário.
A infertilidade está cá. Aceitei-a como parte de mim, tal como um braço ou perna, mas se eles não me definem, ela também não. Tenho os meus dois grandes amores, o amor-pai, a família, os amigos e a mim, tenho o direito e a obrigação de ser feliz. A infertilidade está fechada na gaveta. Eu sei onde, ela também. Ela que fique lá, eu vou viver a vida e tentar ser estupidamente feliz. Criar, educar os meus filhos e fazê-los estupidamente felizes.
O Gabriel? A Sofia? Numa próxima vida quem sabe.